Crónica escrita pelo filho de Calamity Jane *

* António Lobo Antunes

"Porque carga de água vivemos tão mal? E, se vivemos tão mal, porque carga de água o medo de morrer é tão grande? Quantas pessoas felizes conheço? Porque será que para quase toda a gente o amor é uma questão de prazeres breves e localizados, como dizia, eu que detesto citações, a grande escritora Colette? Ontem, no restaurante onde jantei, uma mesa grande cheia de mulheres e homens: falavam, comiam, riam-se e estavam todos defuntos. Vontade de perguntar-lhes

– Sabem que faleceram?

Quando digo que falavam refiro-me a que falavam de outros defuntos que não estavam ali, criticavam cadáveres enquanto se decompunham. O mundo dos mortos está cheio de ressentimento e inveja, de crueldade desnecessária. Para quê? Tanta agitação, despeito, rivalidades, emoções minúsculas. No meio disto tudo sou um homem sentado a escrever, com os meus fantasmas em torno, vozes que me segredam, me gritam."


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