o meu budazinho

Quando o avistei ao longe, naquele seu caminhar lento e algo desengonçado, que lhe é tão característico, como se tivesse todo o tempo do mundo, sem pressa de chegar, mesmo estando atrasado, o balançar discreto dos braços, a cabeça aérea, provavelmente tão distante quando lhe seria possível, a pensar em alguém ou em algo que alguém lhe disse, esbocei um sorriso e senti a saudade sossegar.
Porque permitimos que o tempo nos afaste de pessoas tão importantes para nós? Nunca hei-de perceber.
Quando se aproximou, pude reparar no seu olhar, fechado naqueles olhos pequeninos e escuros, que parecem estar sempre semi-serrados. Serrando-se ainda mais quando sorri. Como agora.
O seu olhar tinha perdido algo. No seu lugar existia um pesar, talvez fruto dos últimos acontecimentos.

O meu budazinho é uma pessoa fora de série, uma pessoa de luxo, uma raridade nos dias que correm. Reúne características tão especiais quanto raras: inteligência e cultura muito acima da média, sensibilidade natural, pureza genuína, desprovido de qualquer tipo maldade.
E são estas as pessoas que a vida mais maltrata. Por andarem tão expostas, sofrem demasiado as erosões dos contratempos: as injustiças, a maldade e a frivolidade alheia.
Não se sabe proteger, acho que nem quer.
Por ele, sinto uma admiração imensa, uma amizade ilimitada e um carinho especial exclusivo para pessoas assim.

A primeira coisa que me diz: “Estás diferente.”. Eu só consigo sorrir. Sabia que ele me ia acabar por dizer algo do género, mas nunca imaginei que fosse a primeira coisa que me fosse dizer. Como é possível que alguém que está a passar pelo que ele está a passar, ainda tenha disponibilidade para ser assim sensível ao próximo.
Como não queria que a conversa versasse sobre mim, desconversei: “Estou mais magra e cortei o cabelo”, disse-lhe a sorrir. Ele percebeu. Não ficou convencido mas percebeu. E ainda demorou a desviar o olhar do meu, entanto descortinar o que tinha mudado.
Aquele olhar que eu tão bem conheço e que continuo a ler com a mesma facilidade. Que me transmite serenidade e calma. Nada intrometido.

Apesar de não estarmos juntos há muito tempo, a sensação é sempre a mesma: parece que foi ontem. E a conversa renasce precisamente donde ficou e flúi naturalmente, sem abismos temporais ou de percurso. Algo que só acontece com as verdadeiras amizades, as profundas. Com pessoas que partilham a mesma essência.

Sempre comunicamos muito bem, mesmo com silêncios. Com o meu silêncio quis dizer-lhe que sou solidária com a sua dor, que se pudesse a dividia com ele.
Quis dar-lhe um abraço, bem forte, mas não fui capaz. Sei que ele, tal como eu, não reage muito bem ao contacto físico. Sei que ele prefere a discrição de um olhar mais demorado e isso, eu posso dar-lhe.

A meio de temas mais ligeiros, dirige-me sempre comentários que sinto mas que só percebo mais tarde. Vive à frente do tempo, este meu budazinho.
Quando conversamos acompanhados, tendemos a fechar-nos num diálogo muito próprio, ininteligível aos ouvidos dos outros. Sempre foi assim, sempre será.
É tão bom falar com ele. Fazes-me falta, porra.

Quando nos despedimos, não nos enganamos com promessas corriqueiras. Não caímos na tentação de prometer estarmos mais vezes juntos. Sabemos que não precisamos disso. Sabemos que a sensação é sempre a mesma: parece que foi ontem.

Fica bem, meu budazinho.
Um beijo grande, como tu.

2 comentários:

Ortlinde disse...

È muuuuito bom encontrarmos alguém que gostamos e não ficarmos com a sensação de espaço/tempo entre nós.
È bom sentir que estivemos sempre ali mesmo não estando presentes.
È bom esse entendimento/cumplicidade do olho no olho!
Brunhild, apesar de tudo somos umas SORTUDAS!
Bom ano para ti também!

Brunhild disse...

Pois somos! :) Tenho essa noção. E ainda bem.