Crónicas de Praga: perdida pela cidade

Estarão, aqueles que me conhecem bem, a perguntar: como é que aquela gaja, que é incapaz de pedir a conta num restaurante aqui em Portugal, se estará a sair em terras Checas, sozinha?
Pois, bem. Aquela gaja está a sair-se muito bem. Pelo menos, até agora. Mas não quero deitar foguetes antes da festa.

Quando o avião se preparava para fazer à pista, espreitei pela janela e vi os campos cheios de neve. E disse para os meus botões: a mensagem que me enviaram ontem à noite, “Donchez dastuszcheck zapotesicz?*", vai fazer-me um jeitaço, pois não trouxe calçado apropriado para a neve. Mas não! Tal como tinha lido, é raro nevar em Praga, apesar das baixas temperaturas.

Saí do aeroporto, ainda de casaco na mão, e pensei “É este o vosso frio?! Pfffff... Fraquinhos!”. No entanto, ao fim de uns minutos, vesti o casaco e apertei-o até ao pescoço.
Não é um frio como o nosso, ou como o de Londres, húmido, que se entranha nos ossos, mas não deixa de ser frio. Ou seja, fresquinho.

Uma vez chegada ao centro da cidade, comecei logo da melhor maneira possível: a perder-me pelas ruas de Praga.

Quando escrevi que pretendia fazê-lo, era no sentido figurado. Mas, alguém levou a coisa ao pé da letra, e lá andei eu, quase uma hora perdida por Praga, sem dar com o hostel.
Acho que o meu GPS de origem só funciona em Portugal...

Ao fim de quinze minutos, aos círculos, desisti e dirigi-me a um posto de turismo para pedir indicações.
O rapaz, muito “simpático”, marcou no mapa o local e o trajecto.
Eu, fiz-me à estrada, um olho no mapa e o outro nas placas com os nomes da ruas.

O problema é que, ao fim de certo tempo, acabava por me distrair. Ou com a arquitectura ou com as montras das lojas, ou com outra coisa qualquer.
Quando dava por mim, lá estava eu no mesmo sítio: Old Town Square.
Devo ter experimentado todas as artérias da praça, tentando chegar ao hostel. Mas só quando fui batida pelo cansaço, ao fim de uma hora, sem força nos braços de tanto puxar o trolley, é que me decidi a seguir o caminho que o "simpático" checo me tinha aconselhado, apesar de me parecer mais distante.

E eis que chego ao famigerado hostel, já praticamente de noite.

[Deixem-me fazer uma pausa só para dizer que, neste momento, janto num restaurante tipicamente checo.
Ou seja, a minha concentração está dividida entre o que vai chegando à mesa e o texto que escrevo.
Sendo que, entretanto, começo a sentir os efeitos do vinho...]

Aqui anoitece muito cedo. Às cinco da tarde é noite. E, sendo época baixa e Inverno, as ruas ficam desertas a partir das seis.

[De volta ao restaurante checo.
Dá-me a sensação que o empregado entende pouco de inglês, por isso, isto vai ser bonito.
Pedi o menu especial checo. Disseram-me que só o serviam ao almoço mas que iam fazer uma excepção para mim. Isto de viajar sozinha tem vantagens!
Entretanto o empregado pôs-se a falar para mim em checo e a sorrir. Eu sorri de volta, sem perceber patavina do que ele me disse.
É bem capaz de me ter mandado abaixo de Praga e eu, feita turista simpática, disse que sim e ainda sorri por cima.
Já comi uma salada, de entrada. Tinha um molho estranho mas bom. No meio das fatias de fiambre, tinha uma pasta qualquer, que era tão picante, que desentupiu-me o nariz e tudo.
Depois disso, comi um caldinho de batata, que também trazia cogumelos e outros ingredientes não identificados.
E agora, acabaram de me colocar à frente o prato principal, que mais parece uma travessa, cheio de carne e mais carne.
E eu já estou cheia!
Estes checos comem que se fartam. Deve ser do frio!...
Não faço ideia que carne estou a comer. Mas tenho a certeza de ter visto a palavra “horse” algures no menu.
Não penses nisso, Brunhild! Com certeza já comeste coisas piores...]

Sem nada o que fazer e sendo tarde para passear, resolvi ir assistir a um concerto da Orquestra Filarmónica Checa, no Rudolfinum.
Não arrisquei. Pedi na recepção que me indicassem no mapa o Rudolfinum e perguntei se era seguro ir a pé. Disseram-me que sim.
De facto, nunca me senti insegura a caminhar pela cidade. Nem mesmo em ruas mais desertas.

Dei com o Rudolfinum à primeira. Fiquei orgulhosa.
Comprei o bilhete e, como ainda era cedo para o concerto, fui dar uma volta pelo quarteirão.

[Acabei de levar à boca uma coisa qualquer que é fofa como uma goma só que não é doce.
Já foi!...]

Entrei num bar, para fazer horas. Também uma estreia: sair à noite sozinha.
Sentei-me no bar e pedi uma cerveja. A cerveja checa tem fama e com razão. Provada e aprovada!
Saquei do meu livrinho de apontamentos, do guia de Praga e comecei a planear o dia seguinte.
Às tantas, quando olho para a frente, o barman preparava um Mosquito e uma Margarida, mesmo ali. Estava a desafiar-me! Se não tivesse o concerto para assistir, tinha alinhado num. Ou noutro.

No regresso ao Rudolfinum, passei por uma patisserie e não resisti. Entrei e comi uma daquelas delícias de bradar aos céus.

[E, por falar em delícias de bradar aos céus, acabaram de me colocar à frente a sobremesa... Divinal! Um strudel, quente, com recheio de maçã e uvas passas, polvilhado com canela. Ao lado, três pequenos montinhos de chantilli, com doce de maçã por cima. A acompanhar, um café. Não expresso, obviamente.]

O Rudolfinum (adoro!!!) é um edifício lindíssimo. Mas, aqui em Praga, é difícil de encontrar um que não seja. Essa é a grande dificuldade.

[Estou tão empanturrada que ainda me vai saltar o botão das calças! Chiça!... Ou melhor, chicha!...]

Habituada ao ambiente descontraído da Casa da Música, fiquei maravilhada a ver aquelas senhoras desfilarem com os seus visons. E sem cheirarem a naftalina!
Ainda bem que optei por ir de vestido. Apesar de levar calçadas umas “pantufas”.

[De volta ao hostel, para publicar o texto e deixar o portátil a carregar, já mudei de roupa e estou pronta a fazer uma visita ao Irish Pub que vi ali na esquina. Estou derreada e empanturrada mas, uma Guinness, é uma Guinness. Aproveito e planeio o meu dia de amanhã.
Ainda me vou habituar a sair à noite sozinha!... Sou gaja, sou gaja...]

O concerto foi de arrepiar! Foi de uma qualidade incrível. Até parece fácil, tocar assim.
O pianista, que nunca tinha ouvido falar, Lars Vogt, é muito bom.
Não fosse a qualidade do concerto, teria adormecido.

Saí de lá completamente nas nuvens e directamente para a caminha.

Estou perdida por Praga!
Amanhã há mais...


* Onde é a sapataria?

4 comentários:

Carpe Diem disse...

Adorei!!! Tu realmente tens jeito para estas crónicas de viagem e fico feliz que tenhas chegado bem e estejas a gostar.

Contudo, tenho de ressalvar que isto não se faz!! Estas a deixar as pessoas com água na boca e com vontade de ter visto o concerto, achas bem??? E tu de vestido, Meu Deus!! Sorte a deles :)

Beijos grandes e mtas Guiness
Nuno.

Bruno Ramalho disse...

Ah pá, que bom, que bom bom bom!!!! :D

* pronto vai lá à sapataria, força força...

** ah caraças, quem dá bons conselhos quem quem, que agora tens aí uma bela companhia branquinha de bolso onde escreves estas palavras? ;)

Ortlinde disse...

Bem, se eu lesse esta crónica mais pertinho do almoço ia a correr esgazeada ao restaurante aqui em frente! Vou aconselhar-te aos chefes de cozinha para descreveres os menus! Fantástico! Quase que sentia o cheiro do que estavas a comer!
Corajosa!! eu quando me perco na minha cidade dá-me vontade de chorar, não por estar perdida, mas pela tristeza em ser assim desorientada!

Brunhild disse...

Doidosssss!... :D