but the joke was on me

"A nossa sociedade está cada vez mais interesseira. Perde-se cada vez mais o verdadeiro sentido da amizade, do amor, de tudo o que realmente interessa neste mundo. O verdadeiro amor parece ter sido substituido por relações unidas pelo suposto cimento do medo da solidão. A ética, a cultura de exigência, a política com o objectivo de servir o povo e não o servir-se do povo, é hoje esquecida em nome do vil metal. Nos relacionamentos já não interessa o que se sente, mas sim se a outra pessoa nos traz valor acrescentado em termos mais "práticos". Colocam-se diferenças de personalidade ou visões do mundo acima dos próprios sentimentos. Mas não são os sentimentos que deveriam comandar? Não são os sentimentos que nos permitem aceitar as diferenças, conjugando emoções com respeito pelo que é diferente, mas que nos ama e nós amamos? Não é isso que realmente interessa? Não é isso que nos permite a evolução? tornarmo-nos pessoas melhores? Aprender e corrigir os erros? Quando se rejeita os próprios sentimentos porque antevemos que maneiras de estar diferentes criarão problemas ou levarão possivelmente ao fim de uma relação, não estamos a ser estúpidos? Cobardes? acomodados? Isto tudo é apenas rejeitar a possibilidade da felicidade porque há a possibilidade da dor. Não embarco nisso. Nunca. Mesmo que não atinja o que almejo. Chamam-me muitas vezes platónico, romântico incurável, lírico. Porque sou fiel aos meus sentimentos, seja de amor, amizade ou outros. Porque acredito que é possível criar um mundo melhor e que tenho o dever ético de contribuir para isso. Porque acredito que a indiferença, a injustiça, a incompetência devem ser eliminadas. Que o mundo deveria ser liderado por poetas e não por comerciantes. Que o amor vale por si. Mesmo que às vezes acabe. Que a pasta dentifrica aberta é menos importante que gostar de um determinado sorriso. E sou fiel a mim próprio quando esses sentimentos se esbatem ou terminam. Nestas alturas chamam-me sacana, insensível, e por aí além. Porque sou fiel ao que sinto, não abdico de almejar atingir os objectivos a que os sentimentos me guiam, sou um eterno incompreendido. Porque os meus principios de vida são diferentes. porque não me rendi ao comodismo. Porque só sou fiel a mim próprio e ao que sinto. Porque acredito no amor, embora por vezes desça aos infernos por ele. Que o impossível somos nós que o criamos. Que há sempre mais um degrau depois do último. Como diz o Morrissey "I am hated for loving". Por amar a vida. Mas não abdico desta forma de funcionar. Aliás, na minha vida, em todos os aspectos e diariamente, nunca me satisfez a mediania. Nem estar medianamente feliz nem estar medianamente triste. Nem peixe nem carne. Estar com um pé dentro e outro fora, não é comigo. Ou é ou não é. Existe o cinzento, claro, mas apenas até decidir-me pelo branco ou o negro. Esta postura tem-me trazido muita dor. Desilusões. Mas tem-me trazido também muitos momentos de pura felicidade, de verdadeiro "Bliss". E só um desses momentos compensa os negativos. Quem se contenta com o "vamos andando", com o "podia estar pior" dá-me pena. Porque dificilmente atingirá o "estou bem", o "estou optimo". Há quem, ao olhar para o céu, se detenha nas nuvens. Eu só paro nas estrelas e imagino o que estará para além delas. Já me arrependi do que fiz, mas raramente me arrependi do que não fiz. Porque quase sempre optei por fazer em vez de não fazer. O medo da dor como razão para rejeitar a felicidade; o medo de acabar como razão para não começar; o medo da batalha como razão para não lutar...Para mim é incompreensivel. Enquanto gozava o processo de me apaixonar, tu analisavas as coisas "práticas". Enquanto me deslumbrava com as tuas qualidades e ia aceitando os teus defeitos, tu ias-me comparando com gente do passado. Enquanto eu chegava à conclusão que valia a pena experimentar, arriscar, tentar aceitar as tuas idiossincrasias, tu decidias-te pelo contrário, porque me olhaste com os mesmos olhos com que olhaste quem te feriu no passado. Eu dei-te o beneficio da dúvida, tu tiraste conclusões precipitadas e agarraste-te a elas. Enquanto eu optava pela verdade e deixava os jogos estúpidos, tu ias-me induzindo em erro, tanto dando como tirando. Enquanto eu tentava aceder ao âmago do teu ser, tu optaste pela minha superficie e aí ficaste porque confirmava a tua ideia de que "não havia futuro". Eu optei por valorizar o gostar de ti, em detrimento das diferenças. Tu valorizaste as diferenças em detrimento do facto de gostares de mim. Ok. eu respeito. Mas tenho pena de ti. Porque assim nunca atingirás a felicidade porque tens medo de te magoar. Eu tenho mais possibilidades de atingir a felicidade porque aceito a possibilidade de me magoar. Estou triste, é certo. Mas não te tenho raiva. Não me queres embora gostes de mim, mas eu continuo a gostar de ti. Porque continuas a ser a mesma pessoa, mesmo que deixes de gostar de mim. Se calhar tens razão quando dizes que não somos certos um para o outro. Mas não pelas tuas razões...Partir do principio que não funciona sem tentar pôr algo a trabalhar é estúpido. Porque às vezes a máquina mais velha e estropiada funciona. E funciona bem. Vais andar por aí à procura do acessório, das coisas práticas, julgando que assim serás feliz. Desculpa, mas - e já devias saber isto - isso só te vai trazer mais dor. Porque vão estar contigo não pelo que tu és, mas pelo que lhes trazes de "prático". Eu rio, choro, sofro, festejo, caio e levanto-me. Tu não. Tu andas às voltas. Eu vivo. Tu vais vivendo. Eu vivo as coisas a 100 por cento. Tu analisas as coisas a 200 por cento e enganas-te na análise. Eu corro e apanho o comboio. Tu vês se o bilhete é caro, se o comboio chega a horas, se há lugares à janela, se o ar condicionado funciona, se o tempo em rota é bom ou não e acabas por perder o comboio. Este comboio perdeste - ou melhor, optaste por não entrar. Talvez ainda o apanhes noutro apeadeiro. Resta a dúvida de saber o maquinista te deixa entrar e se o destino é o mesmo. Eu entretanto vou-te tentar esquecer. Fechar este capítulo. Com um final muito pouco hollywodesco, mas com a lembrança dos bons momentos que me deste e que te dei. Quando o impossível nao existia, quando o amor era possível, quando eramos inseparáveis. Quando a estrada parecia não ter fim. Espero que não me tenhas mentido nessa altura. Espero que não me tenhas mentido agora. Isso sim faria detestar-te, não o facto de não quereres iniciar algo. Não chegamos lá. Mas apesar de tudo valeu a pena a viagem que agora termina. Porque o impossível era possivel."

por Asdrubal Vercingetorix em Os Caracóis da Marina, a 09/07/2004

[Parecem agulhas!... Ouch...]

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