a vida interior da valquíria Brunhild

Saio do trabalho directa para casa. Às 21h15 a minha boleia está à porta de minha casa e ainda tenho imensa coisa para fazer.
Dou uma arrumadela e às 20h00, mando-me para o banho. Quando saio, a pensar no que irei vestir com as minha botas novas, reparo que tenho uma chamada não atendida no telemóvel. É da minha boleia. Ligo-lhe. "Ligaste-me? Que se passa?". "Não, dei-te um toque. Já estou aqui à porta!". "(WTF?!!!!) Não era às 21h15?!". "Não, era às 20h15!". "Ok, dá-me 5 minutos...".
Maldita cabeça na lua, Maria Brunhild!... Não vai ser desta que vais usar as botas novas. Enfio as primeiras calças de ganga que me chegam às mãos, um top e calço as sapatilhas. Hoje vais mesmo de cara lavada que é para aprenderes a prestar atenção ao que te dizem. Detesto esperar e, por conseguinte, detesto fazer alguém esperar.
Passados 7 minutos estava a bater a porta de casa. Um recorde!... Mas ainda vou a apertar os atacadores pelo caminho.
Já atrasados para o jantar, um trânsito infernal na VCI, tudo parado. Bonito!... Ainda assim, somos o primeiro grupinho a chegar.
Eu estava cheia de fome e ligada à corrente. Ainda não tinha entrado no ritmo de fim-de-semana. E também já bebia qualquer coisinha. A bebida combinada era sangria. Não gosto de sangria. Depois tantas borracheiras de sangria, enjoei. Mas, a necessidade era tanta que marchou sangria.
Uma hora depois da hora combinada, finalmente estávamos todos.
Eu já tinha o estômago forrado a sangria, pelo que o apetite já tinha passado. Mas era melhor tentar comer qualquer coisa. Esta maldita falta de apetite que me persegue não terá fim?! Felizmente ainda não perdi o apetite pela bebida...
Um jarro de sangria mais tarde e eu continuava tão sóbria como antes... Já não bebo há algum tempo. Será que me tornei imune ao álcool?!... Já estava a ver a minha vida andar para trás.

Chateiam-me um bocado jantares com muita gente porque depois é sempre a mesma indecisão na hora de decidir onde ir.
A minha única exigência era que tivesse de beber e onde se pudesse fumar.
Após muitos "onde vamos?", decidiram-se pela rua da moda, alegando aproveitar o bom tempo que se fazia sentir. Eu já não tenho paciência para aquilo. No início o fenómeno teve a sua piada, mas já cansa. Ficar ali horas de pé a ver e a ser visto. Ainda por cima é impossível chegar-se ao bar…
Mas o que podia esta pobre alma cansada e sóbria contra a vontade dos restantes compinchas. Ainda me passou pela cabeça ir para casa. Mas ia para casa fazer o quê?...
Lá fui, meia contrariada, mas fui.

Quando lá chegamos aquilo ainda estava pior do que eu pensava. Acho que toda a gente da cidade quis aproveitar o bom tempo que se fazia sentir.
Comecei a dar-lhe na cerveja. Quatro finos depois (e um jarro de sangria) e eu continuava sem sentir o efeito do álcool. Já começava a desesperar! Ainda por cima a conversa não me cativava minimamente. Concentrei-me em conversas alheias mas ainda era piores.
Mais um fino…
Olho à volta e começo a ter visões. Alto!!! Finalmente o álcool começa a surtir efeito…
Este é o estágio inicial: as visões. O estágio seguinte, e o meu preferido, é deixar de ver. Deixar de ver, deixar de sentir, deixar de pensar, deixar de ouvir, deixar de tudo… É o recolher ao meu mundo.
Peço mais um fino.
O pessoal resolve mudar de poiso e eu agradeço. Já sentia o álcool correr-me nas veias, ainda que lentamente.
Ao percorrer aquela rua, reparo num fenómeno que me dá vontade de rir, de tão ridículo. No nosso grupo estava presente uma rapariga que costuma aparecer no pequeno ecrã. À medida que ela ia passando, era ver os gajos, primeiro a rodarem as cabeças e depois os corpos na sua direcção, num movimento tão sincronizado que mais parecia que tinha sido ensaiado.

Mais uma escolha certeira: um sítio vazio e com música má. Eu a precisar tanto de dançar mas ainda não será desta… Bebe, Brunhild!

Três finos depois e finalmente alguém me ouve e me faz a vontade!
Quando chego, sinto que cheguei a casa. Resolvo arriscar tudo e passar para o remédio santo: vodka preta com água tónica.
Só é pena o espaço também ter virado sitio da moda. Está insuportavelmente cheio. Já tenho saudades do tempo em que era somente um antro.
A minha bóia de salvação da noite: encontro uns amigos que não via há anos e de quem eu gosto muito. Marcaram uma fase importante da minha vida. Recordei histórias, chorei ao recordá-las e ri ao revivê-las. Porque deixamos de manter contacto, pergunto eu. Porque nos deixamos afastar de pessoas que gostamos tanto? Porque é que o tempo nos leva para longe?
Aos primeiros acordes de uma música que eu adoro, interrompo abruptamente a conversa e vou para a pista. Dancing queen entra em acção. Fecho os olhos e toda a gente abandona a pista. Fico só eu e Mathew Bellamy… Now is time to cleansing everything, to forget you love... E as lágrimas aparecem…
As músicas sucedem-se, o DJ parece adivinhar os meus pensamentos…
Não faço ideia de quanto tempo dancei, só sei que quase foi preciso arrancarem-me de lá à força…

Não gosto de chegar a casa de dia. Não gosto de ver as pessoas prepararem-se para mais um dia das suas vidinhas e eu ainda não ter ido à cama. Sinto-me uma inútil.

Chego a casa, deito-me e sinto o álcool circular a uma velocidade incrível. Felizmente devo ter aterrado imediatamente. Tudo o que não preciso é ficar de olhos arregalados para o tecto a pensar em coisas que não quero pensar…

Durmo cinco horas. Quando acordo ainda sinto o álcool… Mal consigo comer e ataco logo a ressaca com um Gurozan.
Penso nas coisas que fiz e disse na noite anterior. Ainda bem que o nosso corpo é uma máquina quase perfeita e, quando atingimos aquele estado de alcoolemia avançado, o cérebro entra em blackout.

Tenho uma festa para preparar, a casa para arrumar e ainda tenho de ir trabalhar de tarde. Mas só me apetece ficar deitada na cama, ouvir música e dormir.

A muito custo levanto-me e preparo-me para sair. Vou às compras para a festa e… adivinhem!... Os multibancos não estão a funcionar! Lindo! Bonito!

Vou trabalhar e o trabalho não rende quase nada. Estou de péssimo humor, sinto-me cansada, enjoada e dói-me a cabeça. Parece que fui atropelada por um TGV. Na verdade, dói-me tudo. Dói-me o que tenho e o que não tenho.

Volto a tentar o supermercado… Lista de compras na mão: vodka (branca e preta), cerveja, aperitivos, café, limas e hortelã. Está tudo. Esqueci-me de fazer gelo!... Boa! E as cervejas já não vão ter tempo de ficar suficientemente geladas. Ainda bem que deixas tudo para a última, Maria Brunhild!

Hoje vou mesmo estrear as botas novas! Visto-me, preparo tudo e chegam os primeiros convidados.
Hoje não vou correr riscos desnecessários. Vou directa para a vodka. A primeira ainda custa um bocado e sinto o efeito imediatamente. Só aí me lembro que não jantei nem lanchei.

Em alturas como estas, em que estou rodeada por pessoas que gosto muito, sinto-me bem. Nestas alturas o tempo até passa depressa.

Umas vodkas depois, já está tudo mais ou menos animado, está na altura de sair.
O filme repete-se: um sítio vazio (pelo menos a música não era má de todo).
Não vou aguentar aqui muito tempo. Vai ser só o tempo de estourar o cartão de consumo. Já estou ligada à corrente, já começo a fechar os olhos de tempos a tempos, preciso dançar.

A maioria do pessoal resolve ir para casa. Sou a única sobrevivente do sexo feminino. Já estou habituada!
Levam-me a um dos meus sítios preferidos. Oba!...
Quando lá chegamos, já tarde e a más horas, a noite já está em declínio. Mas ainda dá para cumprir o objectivo: dançar.
Desta vez é Iggy Pop e Kate que me fazem companhia… I have a hole in my soul for so long, I’ve learned to hide and just smile all along. Down on the street those man are all the same. I need a love, not games, not games…

Volto a chegar a casa de manhã. Volto a chegar a casa deprimida, cansada mas sem conseguir adormecer. Tanto investimento em álcool e não tenho retorno nenhum. Maldita crise!

Hoje já é domingo. Vou acordar com uma terrível ressaca, mal disposta e de mau humor, sem paciência para nada ou ninguém. Desligo o telemóvel e desejo dormir o dia todo e a noite toda. De preferência só acordar segunda para ir trabalhar e porque tem de ser.
Mas não. Ao fim de cinco horas já estou acordada. Mas recuso-me a levantar-me. Passo o dia todo na cama como se estivesse a convalescer de uma doença grave, que me tivesse levado toda a força, vontade, energia, brilho… tudo!

No fim do dia, finalmente assumo que não posso continuar assim. Sem dormir, sem comer, a levar a vida neste ritmo alucinante, evitando pensar e sentir o que não quero.

Dizem-me que não sabem como aguento levar este ritmo… Mas… Quem disse que eu estou a aguentar?...

5 comentários:

Bruno Ramalho disse...

24 hour party people!!!

a noite andava estranha no sábado, todos os sítios vazios, mas encontrava-se sempre gente conhecida! LOL

Aquilo era botas novas? Só reparei nos óculos... :P eheheh

É que já comias Maria Brunhild, ai já já... a tempo e horas e como deve ser... isso de meter decapante de uva para dentro para fazer de forro não está com nada! E logo tu que não gostas da cena... está visto que qualquer dia te obrigo a fazer-me companhia, só porque sei que já lhe deste outra vez um dia! ;)

então... é como o sumo ou icetea ou lá o que é aquela pôrra... mudasti!!! Há que mudar pequenas coisas (ou mesmo as grandes) e levar prá frente! (isto ando eu a dizer a mim mesmo há uns dias... será por causa da chegada do Outono?) ora pôrra!

Chichas disse...

Ó Maria, diz-me uma coisa (sem medo que fiques ofendida porque já vi que somos muito parecidos na nossa forma lúdica de mandar os neurónios para a caminha enquanto saímos).
Conhecemos-nos ou reconheceste-me? Falámos? É muito vulgar não me lembrar de pessoas por isso a dúvida.
até já

Brunhild disse...

Aqui a Maria não se ofende por tão pouco...
Não nos conhecemos nem falámos. Reconheci-te porque sei quem és e sigo o teu blogue há algum tempo.
Para a próxima meto conversa... Ou não! Dependendo da quantidade de álcool ingerida...
beijo

Chichas disse...

..e agora sigo o teu também, que gostei.
beijos e essas coisas

Carpe Diem disse...

Ora bem, juro que não me ria neste blog há muito tempo e cheguei a uma conclusão!! Parece-me que a culpa é da musica e não tua porque se fosse boa passavas o tempo a dançar em vez de emborcar bebida...

E agora eu pergunto, comer dá tanto trabalho para quê fazê-lo? Beber é so levantar o copo e pronto e como diria James Dean "live fast and die young" :)

Enfim... tb não sei para que preocupas tu em comprar botas novas se, no teu caso, ninguem olha abaixo dos óculos (nem todos, nem todos...)!!

Beijos ressacados
Nuno.