Porque será que me sinto cada vez mais distante deste tempo, destas pessoas, destes costumes, destas tradições?
Sempre tive bastante facilidade em conhecer pessoas, em fazer amizades, no entanto, de há uns tempos (largos) para cá, essa facilidade foi-se desvanecendo, estando quase a tornar-se uma dificuldade.
Sinto que a maior parte das vezes não consigo comunicar com as pessoas. Trocam-se algumas palavras, trocam-se opiniões mas pouco mais que isso. As pessoas conhecem-se superficialmente e isso chega. Poucas pessoas se dão trabalho de descobrir o que está para além das palavras, para além das acções. Verdade seja dita, as pessoas também receiam dar-se a conhecer. Pudera! Numa sociedade cada vez mais desprovida de valores, nunca se sabe quem se tem pela frente.
É tudo muito rápido hoje em dia. E isso faz-me muita confusão. Parece que tudo o que importa é ser ter/ser mais um contacto. Ter contactos. Isso é que é importante.
Os espaços nocturnos estão cheios de gente. As pessoas chegam em grupo com o intuito de se divertirem. Sendo que o conceito de divertimento é beber bastante, fumar e dançar, a correr bem. Não importa a música que está a passar. Balança para cá, balança para lá e está feito. Se a noite correr bem, ainda dá para meter conversa com alguém do sexo oposto e sacar mais uns quantos contactos.
Se assim for, espera-se pelo fim-de-semana seguinte e envia-se uma sms a convidar um desses contactos para um café. Sim, uma sms! Isso de ligar fica muito caro e é preciso conversar e isso dá muito trabalho. Enviar uma sms é mais prático e eficaz. Atira-se o barro à parede. Se colar, óptimo, temos
date.
Lá se vai tomar cafezito com o novo contacto. Meia dúzia de chavões e umas piadas pré-fabricadas e avança-se. Nunca ouviram dizer que o tempo urge? Não há tempo a perder. Até porque se houver tampa, pode ser que ainda dê tempo para ir ter com o resto da malta. Hoje em dia é assim. Queres, queres. Não queres, andamento. Há mais quem queira.
Há uns anos atrás, um amigo de uns amigos com quem me tinha cruzado meia dúzia de vezes, numa noite mais animada, encheu-se de coragem e declarou-se. Enviou-me um poema de Florbela Espanca. Por sms! Eu não estava interessada nele, até porque ele estava de casamento marcado para o final desse ano. Mas, se estivesse, que pretenderia ele que eu fizesse?!
Rapazes, sejam homens! Quando for a valer, abandonem o jogo “atira-a-ver-se-cola” e assumam o jogo da conquista. Vejam os clássicos do cinema. De preferência aqueles a preto e branco. São os melhores. Os homens seduzem, as mulheres deixam-se seduzir.
É muito século passado, não é? Que querem? Sou uma gaja clássica.
Mas a culpa não é só do sexo masculino. As meninas também andam a meter água.
Se condeno os rapazes por jogarem charme a tudo o que mexe, condeno as meninas por aceitarem a corte de qualquer um. Andam pouco exigentes, estas meninas. Muito fáceis.
Grande parte delas, só se sentem mulheres se tiverem um namorado a quem dar ordens, a quem chatear, de quem possam falar às amigas e levar a passear ao shopping. Ao primeiro beijo já ouvem os sinos da igreja. Passo!
Em primeiro lugar não me imagino vestida de noiva, muito menos de véu e grinalda. Esses rituais, dispenso. Não é um papel que vai certificar aquilo que se sente, que vai validar a relação. Já para não falar da anilha no dedo. Sequer sou pombo-correio.
Contudo, já não dispenso, partilhar a educação de um rapaz traquina e terrorista como o pai ou de uma menina caprichosa e mimada como a mãe. Não dispenso ficar cheia de rugas e de cabelo branquinho ao lado daquela mesma pessoa.
Eu faço parte da minoria que teimam em esperar pelo(a) “tal”. Será que tal coisa existe? Sinceramente, preferia acreditar que não. Mas, apesar de todos os esforços, continuo a acreditar que sim, que existe. Quem será esse “tal”?
Será aquele que idealizei e que espero desde o tempo em que saltava abaixo dos tapetes. Personalidade vincada, inteligente mas não racional, com sentido de humor e que se reja pelos mesmos princípios e valores que eu. Alguém persistente e determinado. Alguém com muita paciência para aturar os meus caprichos de gaja. Alguém disposto a cuidar de mim da mesma forma que me proponho a cuidar dele. Mas, acima de tudo, alguém com seja possível comunicar. Comunicar com palavras, actos e silêncios. Porque as pausas também são música.
Se for possível chegar a esse entendimento, acredito que todas as diferenças se desvanecerão.
O problema é que hoje em dia, e apesar de todos os meios de comunicação que temos ao nosso dispor, as pessoas comunicam cada vez menos. Claro que assim, não é difícil as pessoas acordarem um dia, olharem para o lado e não (re)conhecerem a pessoa que dorme ao seu lado há anos. Seguiram caminhos diferentes num determinado cruzamento da vida e nem repararam. Acordaram um dia e chegaram à conclusão que o sentimento que os unia, desapareceu. As plantas morrem se não as regarmos, se não mudarmos a terra de vez em quando, se não arrancarmos as folhas velhas. É o meu maior medo!
Gostar não é o mais importante. Conseguir “aquela” cumplicidade, sim. “Aquela” telepatia. “Aquele” saber o que o outro quer ou sente com um simples trocar de olhar. O mesmo entendimento que se tem com um(a) amigo(a) de muitos anos. Só que este entendimento é aliado a uma atracção magnética. A uma vontade (quase) incontrolável de se querer, de se ter de tocar. A um simples roçar de mãos que nos faz estremecer.
Por vezes, esta atracção, este sentimento forte, tolda-nos a visão. Faz-nos ver coisas onde elas não existem e/ou não nos deixa ver coisas que estão mesmo à nossa frente.
Sinto-me frustrada. Sinto que é um desperdício de tempo, esforço e dedicação ter idealizado, construído e cuidado de um belo jardim nas traseiras da casa quando tudo o que as pessoas querem é ficar ali no
hall de entrada, depois de terem sido atraídos pela fachada da casa.
Na tetralogia de Wagner, Brunhild é castigada pelo pai depois de lhe ter desobedecido.
O seu castigo é dormir cercada por um círculo de fogo, até que alguém que não tenha medo venha resgatá-la: Siegfried.
Façam-me um favor.
Não acordem esta Brunhild se não tiverem a certeza que é mesmo isso que querem. Porque, uma vez desperta, é com muita dificuldade que consigo voltar àquele estado de sono profundo onde me encontrava.